segunda-feira, 18 de maio de 2009

O QUE É UM CONTEMPORÂNEO – A PROPÓSITO DO MAIS RECENTE LIVRO DE CARLOS AMARAL DIAS: “CARNE E LUGAR” (ALMEDINA)


Porque será que entre nós raramente há uma palavra psicanalítica a proferir sobre os assuntos que constituem a realidade externa?
Há excepções a esta regra e Carlos Amaral Dias tem sido uma delas. Inúmeros textos seus comprovam a sua preocupação em intervir no quotidiano como cidadão e como psicanalista.
A contemporaneidade é essa relação singular com o próprio tempo. É, simultâneamente, aderir e manter a distância ao próprio tempo, de uma forma que Nietzsche designa por intempestiva.
Não se trata de uma nostalgia do passado, mas de se ter a capacidade de ser acual e inactual ao mesmo tempo. Inactual por intempestivo, actual pela capacidade de perceber e agarrar o seu tempo. Não há coincidência, há diacronia. Mas uma diacronia que não é uma anacronia, é um desfazer do momento para o transformar.
Como escreve o fisófoso italiano Giorgio Agamben, “contemporâneo é aquele que olha fixamente o seu tempo, para lhe perceber, não as luzes, mas a escuridão”.
O contemporâneo interpela as trevas do presentes e olha nos olhos essa luz que não é luz, essa escuridão que permite ver e pensar.
O que Carlos Amaral Dias faz neste livro é exactamente isso: interrogar o presente para o transformar, olhando as trevas nos olhos.
O autor ordenou os vários capítulos do livro, que na sua maior parte tinham sido obecto anteriormente de comunicação oral, num curioso itinerário. Intitulou-os Carne, Verbo, Castelo, Polis, Passagem, Farol, Fogo, Mudança e Lugar.
Os capítulos surgem desta forma como lugares, como topoi de uma mitologia muito pessoal, mas a que Carlos Amaral Dias dá uma dimensão maior. É na articulação destes conceitos que a escrita de Carlos Amaral Dias cria um fulgor original, uma espécie de farol que ilumina a leitura e nos impulsiona para outras paragens.
Uma leitura imprescindível para psicanalistas e não psicanalistas. Para todos os interessados na cultura em geral.
Clara Pracana
Nota: os meus posts neste blog, como em outros, são da minha inteira responsabilidade e não obrigam mais ninguém.

1 comentário:

Unknown disse...

He who fights with monsters might take care lest he thereby become a monster. And if you gaze for long into an abyss, the abyss gazes also into you.

Friedrich Nietzsche, Beyond Good and Evil, Aphorism 146